
INTRODUÇÃO
O presente trabalho intitulado ‘‘Ética a Nicômaco, um debate sobre o objecto
da finalidade das acções humanas em Aristóteles’’ está inserido no quadro
do plano analítico da cadeira de Ética I. Trata-se dum trabalho que o grupo
procurou explorar com alguma profundidade as questões éticas avançadas por este
clássico da filosofia e da ética. Procurou-se estratificar os dez livros que
perfazem a obra Ética a Nicômaco em três capítulos, nomeadamente no primeiro, apresenta-se
a vida e obra e faz-se a Contextualização, no segundo explora-se a ideia e o
escopo da finalidade do agir humano, no terceiro destacam-se as virtudes, onde
faz-se a diferenciação entre as duas virtudes (morais e intelectuais).
Com a presente pesquisa procurar-se-á
evidenciar porque a felicidade é o fundamento da Ética a Nicômaco, sendo que para
tal deve partir-se da ideia de que toda acção praticada pelo homem tem em vista
um fim bom e desejável. Dentre todos os fins existentes, aquele que é almejado
por si próprio tem primazia sobre os demais, em razão disso, Aristóteles
identifica-o como sumo bem, ou felicidade.
Trata-se duma pesquisa que carrega consigo
altos valores sociais, o que significa que é necessário revermos a nossa
conduta, acreditando que não basta só ser bom, mas devemos agir de maneira
justa e honrosa. Foram desenhados como objectivos desta exposição os seguintes:
Geral: Compreender o pensamento ético
aristotélico (a felicidade como o fim das accoes humanas); e específicos: Contextualizar o autor; Identificar
o fim último das acções humanas; Explicar as virtudes morais e intelectuais;
Para a realização desta pesquisa tomou-se
como base o método hermenêutico da obra de Aristotélica Ética a Nicômaco e de leituras paralelas que visaram a compreensão
do escopo da pesquisa.
Aristóteles foi filho de um casal de médicos,
Nicômaco era médico da corte macedónica e Faistis, Aristóteles nasceu em 384 em
Estagira e morreu em 322 a.C. Com a idade de dezoito anos, sedento de
sabedoria, ruma para Atenas (onde estavam em voga duas escolas – a Academia Platónica
e a escola sofística). Nesta cidade, Aristóteles faz-se discípulo de Platão,
filósofo cuja fama já se havia espalhado por toda a Grécia. Ali permaneceu por
cerca de vinte anos, tempo em que, por inspiração do mestre, se consolida a sua
vocação de filósofo. Em 335 a.C. funda o Liceu, que foi assim chamado por estar
estabelecida nas proximidades do templo dedicado a Apolo Lícios.
A ética aristotélica é permeada por uma visão
de fim, thélos. Teleológico é uma
palavra derivada do grego thélos que
possui um sentido de fim, de um alvo a ser atingido pelo homem no decurso da
vida. Suas principais obras éticas foram a ‘‘Magna Morália’’ (ou Grande Ética), Ethica Eudemia (ou Ética a Eudemos) e Ethica Nicomachea (ou Ética Nicômaco).
A filosofia na Grécia surge através de condições
sócio-económico-culturais, como o evento original e originário, e isto
representa um salto qualitativo, pois nunca antes se havia privilegiado a razão
na tentativa de compreender o universo, a vida humana, a vida política, a vida
virtuosa e os valores da felicidade. O povo grego incumbiu-se dessa tarefa, no
Século VI ou V a.C.
O período que procura-se trabalhar, é a fase
das grandes sínteses do pensamento grego. Esse período, que coincide com o
século IV a.C., tem dois grandes autores: Platão e Aristóteles.
É a obra ‘‘Ética Nicômaco’’ de Aristóteles que
pretendemos analisar neste trabalho. Uma obra composta por 10 livros, nos quais
encontra-se todo o tratado acerca da Ética a Nicômaco. É nesta obra onde Aristóteles
expõe todo o pensamento herdado do seu pai acerca das acções humanas, e não só,
mas era igualmente sua intenção fazer com que as pessoas reflectissem sobre as
suas acções e colocassem a razão acima das paixões, buscando a felicidade
individual e colectiva, pois o ser humano é um ser social e suas práticas devem
visar o bem comum.
Na
obra, percebe-se que Aristóteles propõe uma Ética das Virtudes, onde os bons
hábitos, as boas acções, seriam o fio condutor de toda acção ética.
Entre as obras do Estagirita, a Ética Nicômaco
foi tradicionalmente a mais comentada e indicada como a que apresenta uma visão
mais ampla da Ética aristotélica. ‘‘O que
Aristóteles discutiu nessa obra e de que modo tratou as questões antropológicas
já apresentadas por seus antecessores (Sócrates e Platão) nos permite entender
o segundo grande sistema ético da cultura Ocidental.’’ (cf. GONCALVES, 2017:51)
CAPITULO
II: O SUMO BEM COMO OBJECTO DO AGIR HUMANO
Neste primeiro capítulo intenciona-se
esclarecer a ideia do fim para que tendem todas acções humanas. Aqui compreender-se-á
a ideia aristotélica de felicidade e sumo bem enquanto significados do fim último
das acções humanas.
Na sua obra sobre a Ética a Nicômaco, e
sobretudo no primeiro livro, Aristóteles começa admitindo que toda arte, assim
como toda acção têm em mira um bem[1] qualquer; e por isso foi
dito com muito acerto que, o bem é aquilo a que muitas coisas tendem. Mas se para
acções que realizamos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo é desejado
no interesse desse fim, diz-nos Aristóteles (1984) que ‘‘evidentemente que tal fim será o bem, ou antes, o Sumo Bem.’’
(ARISTOTELES, 1984:49)
No mesmo diapasão enaltecedor, Platão (1949)
afirma que ‘‘(…) No limite do mundo cognoscível é que se avista a custo a ideia do Bem;
e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de
justo e belo (…) (PLATÃO, 1949:319)
Naturalmente, o seu estudo e o seu
conhecimento constituirão a ciência mestra (que é a Política) e seu estudo
caberá à Ética. É objecto da política porque as acções belas e justas admitem
grande variedade de opiniões, podendo até ser consideradas como existindo por
convenção, e não por natureza. (cf. ARISTÓTELES, 1984:50)
Compreende ainda assim a politica porque o
homem como um ser social vive na polis e, é nela onde as acções virtuosas com
vista a tranquilidade e bem-estar devem se fazer sentir. Para que no extremo,
este homem atinja a felicidade e se realize plenamente.
A sociedade existe com vista a algum fim
(objectivo) definido, que consiste, segundo Aristóteles, na busca do bem
supremo do homem como cidadão que participa activamente na administração, na
jurisdição e na legislação de uma nação. Somente agindo dessa forma ele atinge
seu bem supremo.
O bem completo, ou sumo bem, buscado por si
mesmo e que não tem em vista outra coisa a não ser ele próprio, denominamos de
felicidade. Analogamente, (…) a
felicidade, acima de tudo mais, parece ser absolutamente completa nesse sentido
uma vez que sempre optamos por ela mesma e jamais como um meio para algo mais
(...) (Aristóteles, 2002:49).
A honra, a compreensão, o prazer e a virtude
são buscados como meios que asseguram a felicidade. Ela recebe vários
atributos, um deles é o de auto-suficiência, isto é, que o bem final e completo
precisa ser algo suficiente em si mesmo. Aristóteles não compreende a auto-suficiência
como individualismo, pois para ele o homem é um animal político.
Paradoxalmente, entendemos por algo auto-suficiente, aquilo que por si só torna
a vida desejável e que de nada carece. Assim sendo, consideramos segundo o
Estagirita a “felicidade a mais desejável
de todas as boas coisas” (Id.).
Portanto, reconhecida como final, completa e
auto-suficiente, é a finalidade visada por todas as acções. As coisas boas foram
classificadas de três modos. São elas. bens externos, bens do corpo e bens da
alma. Porém, os bens no sentido pleno e de maior grau, são os bens da alma.
Esses são vistos em nossas acções quotidianas. Desse modo, a finalidade é
incluída não entre os bens externos, mas sim nos bens da alma, por serem estes
que tornam os homens verdadeiros virtuosos.
Para a compreensão da felicidade precisamos
antes lançar ao debate a pergunta que não se quer calar. Se todo o conhecimento
e todo trabalho visam a algum bem, qual será o mais alto de todos os bens? O
fim certamente será a felicidade, mas o vulgo não a concebe da mesma forma que
o sábio. Para o vulgo, a felicidade é uma coisa óbvia como o prazer, a riqueza
ou as honras (finalidade da vida politica); aqueles que identificam a
felicidade com o prazer vivem a vida dos gozos; a honra é superficial e depende
mais daquele que dá do que daquele que recebe; a riqueza não é o sumo bem, é
algo de útil e nada mais.
De acordo com o Estagirita essas duas
concepções de felicidade (do vulgo e do sábio) ‘‘diferem, quanto ao que seja a felicidade, e o vulgo não a do mesmo modo
que os sábios. Os primeiros pensam que seja alguma coisa simples e óbvia, como
o prazer a riqueza e as honras (…).’’ (Ibidem.p.51-52)
Deste modo, devemos procurar o bem e
questionarmo-nos sobre o que ele é. Ora, se existe uma finalidade para tudo o
que fazemos, a finalidade será o bem. A melhor função do homem é a vida activa
que tem um princípio racional. Consideramos bens aquelas actividades da alma, a
felicidade identifica-se com a virtude[2], pois à virtude pertence a
actividade virtuosa. No entanto, o Sumo Bem está colocado no acto, porque pode
existir um estado de ânimo sem produzir bom resultado.
Sendo a felicidade a melhor, a mais nobre e a
mais aprazível coisa do mundo e tendo-na identificado como uma actividade da
alma em consonância com a virtude, não sendo propriamente a felicidade a
riqueza, a honra ou o prazer, etc; a felicidade necessita igualmente desses
bens exteriores, porque é impossível realizar actos nobres sem os meios.
O homem feliz parece necessitar também dessa
espécie de prosperidade, e por essa razão, alguns identificam a felicidade com
a boa fortuna, embora outros a identifiquem com a virtude.
Por isso, pergunta-se se a felicidade é
adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou adestramento; se é conferida pela
providência divina ou se é produto do acaso. Se a felicidade é a melhor dentre
as coisas humanas, então não se pode confiar ao acaso o que há de melhor e mais
nobre, seria um arranjo muito imperfeito. A felicidade é uma actividade
virtuosa da alma, os demais bens são a condição dela, ou são úteis como
instrumentos para sua realização. A felicidade é ‘‘boa vida e boa acção.’’
A felicidade, enquanto coisa nobre e boa da
vida, seria alcançada pela recta acção, assim, seria uma actividade virtuosa da
alma e, por este motivo, é contada entre as coisas mais divinas, mas para
alcançá-la, é necessária a constância nas virtudes.
CAPÍTULO
III: VIRTUDES ARISTOTÉLICAS
Neste capítulo tratar-se das duas concepções
da virtude. O Estagirita divide a virtude em duas partes designadamente:
Virtudes intelectuais e virtudes morais.
As virtudes aristotélicas, dividem em
intelectuais[3] e
morais[4]. Duma forma mais específica,
a intelectual é a que gera-se e cresce através do ensino – precisa de
experiência e tempo; e a moral é adquirida pelo hábito de onde terá se formado
seu nome (na sociedade). Assim, nenhuma das virtudes surge em nós por natureza,
como se pode fundamentar no trecho abaixo:
Não é pois por natureza ou contrariando a
natureza que as virtudes se geram em nós (…) por outro lado, de todas as coisas
que nos vêm pela natureza, primeiro adquirimos a potência e mais tarde
exteriorizamos os actos. Isso é evidente no caso dos sentidos pois não foi por
ver e ouvir frequentemente que adquirimos a visão e audição, mas, pelo
contrario nós as possuímos antes de usa-las, e não entramos na posse delas pelo
uso. (ARISTOTELES, 1984:67)
Com efeito, dá-se o exactamente oposto com as
virtudes, adquirimo-las com o exercício como igualmente acontece com as artes.
Assevera-nos o Estagirita que “(…) os
homens tornam-se arquitectos construindo e tocadores de lira tangendo seus
instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando actos justos
(…). (Idem)
Este facto, verifica-se igualmente com todos
legisladores nos estados, onde eles tornam bons os cidadãos pelos hábitos que
lhes incutem. E, quando isso não aconteça, o legislador falhou na sua missão. É
nisso que reside a existência de boas e más constituições. Também pelas mesmas
causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda a virtude, assim,
como a arte de tocar o instrumento surgem os bons e os maus músicos, e nos arquitectos,
construindo bem tornam-se bons e mal maus.
Com as virtudes dá-se o mesmo. É pelos actos
que praticamos, nas relações com os homens, que nos tornamos justos ou
injustos. Por isso, faz-se necessário estar atento para as qualidades de nossos
actos pois, tudo depende deles, desde a nossa juventude existe a necessidade de
habituarmo-nos a praticar actos virtuosos (moralmente excelentes), pois tudo
depende disso.
No segundo capítulo do livro 2 importa-nos
analisar a virtude não sob ponto de vista teórico (Saber o que é a virtude),
mas queremo-la sob ponto de vista prático. Queremos estuda-la, para tornar-nos
bons por que caso contrário a presente investigação seria inútil. Assim, é
importante perceber que a sabedoria prática é inferior à sabedoria teórica. O
valor da primeira, em partes, está na ajuda que presta a produção da última. Mas
consideremos que em nossa natureza o excesso e a falta de uma delas sejam
destrutivos. Devemos deste modo admitir como afirma o autor que,
Tanto a deficiência como o excesso de
exercício destroem a força; e da mesma forma, o alimento e a bebida que
ultrapassam determinados limites, tanto para mais como para menos, destroem a
saúde, ao passo que sendo tomados nas devidas proporções, a aumentam, a
produzem e a preservam. (Ibidem, p.68)
Naturalmente, que nas virtudes, o excesso ou
a falta são destrutivos, porque a virtude é mais exacta que qualquer arte, pois
possui como atributo o meio-termo[5] – mas em relação à virtude
moral, é ela que diz respeito a paixões e acções, nas quais existe excesso,
carência e meio - termo. O excesso é uma forma de erro, mas, o meio-termo é uma
forma digna de louvor. Logo, a virtude é uma espécie de mediana. Pois de acordo
com o autor, ‘‘Os homens são bons de um modo
e, maus de muitos modos’’ (Ibidem.p.73)
Cabe nos desde já salientar que a mediana é
meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta. Mas, nem toda
acção e nem toda paixão admitem meio-termo; há algumas acções ou paixões que
implicam em maldade, como a inveja. Elas são más em si mesmas, nelas não há rectidão,
mas erro. É absurdo procurar meio-termo em actos injustos; do excesso ou da
falta, não há meio-termo.
Como nos referimos nas abordagens iniciais
deste tema, nossa tarefa de estudo das virtudes tem como resultado a acção, e
não o conhecimento da virtude, é necessário frisar a prática dos actos, pois, é
pela prática dos actos justos que se gera o homem justo, é pela prática de actos
temperantes que se gera o homem temperante; é através da acção que existe a
possibilidade de alguém tornar-se bom. Assim, Aristóteles refere que
(…) a maioria dos homens não procede assim.
Refugiam-se na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons
dessa maneira. Nisso se portam como enfermos que escutassem atentamente seus
médicos, mas não fizessem nada do que estes lhe prescrevem. (Ibidem, p.71)
Enfim, em todas as coisas o meio-termo é digno de ser
louvado, e é naturalmente o repositório da virtude moral e efectivamente, essa
é a maneira mais fácil de atingir o que é certo. Assim, ser feliz é usar a
razão com propriedade e fazer de tal modo que isso se torne uma virtude.
Devemos agora examinar a natureza dos actos, ou seja, como devemos praticá-los, pois eles determinam a natureza das disposições morais (virtudes); Virtude esta que é uma disposição de carácter relacionada com a escolha de acções e paixões, e consistente numa mediania.
Devemos agora examinar a natureza dos actos, ou seja, como devemos praticá-los, pois eles determinam a natureza das disposições morais (virtudes); Virtude esta que é uma disposição de carácter relacionada com a escolha de acções e paixões, e consistente numa mediania.
2.
Actos morais e sua estrutura
A análise que se pretende fazer neste capítulo
relaciona-se com a distinção que Aristóteles faz dentre actos voluntários e
involuntários. Que diferença existe entre ambos? Um assunto, que se dispõe à
discussão neste capítulo.
No prosseguimento da Ética a Nicômaco,
Aristóteles analisa, a estrutura das acções morais, onde distingue actos
voluntários de involuntários. O autor descreve que a virtude relaciona-se com
paixões e acções, mas, um sentimento ou uma acção pode ser voluntária ou
involuntária. Assim, considera actos involuntários a aqueles que ocorrem sob
compulsão e ignorância, é compulsório ou forçado aquilo em que o princípio
motor está fora de nós e para tal em nada contribui a pessoa que age ou sente a
paixão. Há actos praticados para evitar males maiores, diz ele por exemplo que,
Algo semelhante acontece quando se lançam
cargas pesadas ao mar durante uma tempestade; porque em teoria ninguém
voluntariamente joga fora bens valiosos, mas quando assim o exigem a segurança
própria e da tripulação, qualquer homem sensato o fará. (Ibidem, p. 81)
É discutível que esses actos sejam
voluntários ou involuntários. Na verdade, trata-se de acções mistas que se
assemelham às voluntárias por serem escolhidas no momento em que se fazem e
pelo facto de serem acções relativas às circunstâncias e o princípio motor
estar no agente, isto é, por estar na pessoa ‘‘o fazer’’ ou ‘‘não fazer’’. Acções
de tal espécie são voluntárias. O voluntário é aquilo cujo motor se encontra no
próprio agente que tenha conhecimento das circunstâncias particulares do acto.
As acções são forçadas (involuntárias) quando
contrariamente, as causas encontram-se externas ao agente e ele em nada
contribuiu. (…) é o compulsório, quer dizer, aquilo cujo o principio motor se
encontra do lado de fora. Aristóteles ladeia que ‘‘Tudo o que se faz por ignorância é não-voluntário, e só o que produz
dor e arrependimento [no agente] é involuntário.’’ (Ibidem, p.82)
Naturalmente, o homem que fez alguma coisa
por ignorância e não se aflige com o seu acto, não agiu voluntariamente visto
que não sabia o que fazia; mas não agiu involuntariamente visto que isso não
lhe causa dor alguma. Diz ele portanto que ‘‘ (…) das pessoas que agem por ignorância, as que se arrependem são considerados
agentes involuntários, e as que não se arrependem podem ser consideradas de
não-voluntários.’’ (Id.)
Assim, os termos voluntário e involuntário
devem ser usados como referência ao momento da escolha da acção. A escolha é,
portanto, um desejo deliberado. Mas como o fim é aquilo que desejamos e o meio
aquilo que deliberamos e escolhemos, as acções devem concordar com a escolha e
serem voluntárias. O exercício da virtude moral diz respeito aos meios, logo, a
virtude está em nosso poder de escolha. Em outras palavras, podemos escolher
entre a virtude e o vício, porque se depende de nós o agir, também depende o
não agir. Depende de nós praticarmos actos nobres ou cruéis, ou então, depende
de nós sermos virtuosos ou viciosos.
Deste modo, fica esclarecido que as virtudes
são voluntárias, porque somos senhores de nossos actos se conhecemos as
circunstâncias, e estava em nosso poder o agir ou o não agir de tal maneira. Os
vícios também são voluntários, porque o mesmo se aplica a eles.
Nos livros IV e V, Aristóteles faz um
percurso analítico de algumas virtudes morais e os respectivos meios-termos. Na
mesma sequência, procurar-se-á trazer neste capítulo alguns exemplos de
meio-termos/virtudes morais.
De acordo com Aristóteles a Liberalidade é o
meio-termo em relação ao dar e receber riquezas, mas sobretudo ao dar. O homem
liberal é louvado no tocante a dar e receber riquezas, mas é especialmente
louvado aquele que sabe dar suas riquezas. O avarento quer o dinheiro mais do
que deve e o pródigo esbanja a riqueza com seus prazeres. Quem melhor usa a
riqueza é aquele que possui a virtude a ela associada – o homem liberal. (Cf.
Ibidem, p.101)
Diz-nos Aristóteles que o homem liberal nunca
dá com dor, pois esse preferiria a riqueza a acção nobre, mais do que isso,
afirma o autor que ‘‘Tampouco o homem
liberal receberá de fontes que não deve, pois isso não é próprio de quem não dá
valor a riqueza.’’ (Ibidem, 102)
[Naturalmente que encontramos na maior parte
dos países africanos e de forma particular Moçambique o exemplo de algumas
figuras de destaque no panorama politico com falta de liberalidade, a medir por
aquilo que é o assunto mais falado do momento das dívidas inconstitucionais].
Enquanto o homem liberal dá as quantias que
convém, às pessoas que convém e na ocasião que convém, com todas as demais
condições que acompanham a recta acção de dar, com prazer e sem dor, o avarento
é deficiente no dar e excede no receber. Um exemplo claro dos nossos ‘‘aposentos’’,
se olharmos para o nosso país no contexto de uma parte de África.
Exemplo:
Tabela 01: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
|
Meio-Termo
|
Vicio/excesso
|
Paixão
|
Situação
|
Dar
|
Liberalidade
|
Receber
|
Riqueza
|
Bens/dinheiro
|
A justiça é tomada como aquela disposição de
carácter que torna as pessoas propensas de fazer o justo, que as faz viver
justamente e desejar o que é justo e do mesmo modo a injustiça é aquela
disposição de carácter que torna as pessoas propensas a fazer o injusto e a
desejar sempre o injusto. Desta forma o homem injusto é um sem lei e o homem
que respeita a lei é justo.
Com efeito, todos actos legítimos são justos em
certo sentido. Dessa forma, a justiça é uma virtude completa ou é muitas vezes
considerada a maior das virtudes. É uma virtude completa por ser o exercício
actual da virtude completa, isto é, aquele que a possui pode exercer sua
virtude sobre si e sobre o próximo. (Cf. Ibidem, p.122) Assim, a justiça neste
sentido não é uma parte da virtude, mas sim a virtude inteira.
Sendo os actos justos e injustos, tal como os
descrevemos ou definimos, um homem age de maneira justa ou injusta sempre que
pratica tais actos voluntariamente. Quando o contrário acontece
(involuntariamente), tais actos não são justos nem injustos. Assim este
carácter do acto (voluntario ou involuntário) determina se a pessoa é justa ou
injusta.
O justo é intermediário entre uma espécie de
ganho e uma espécie de perda nas transacções que não são voluntárias, e
consiste em ter uma quantidade igual antes e depois da transacção. O juiz nos
estados intermedeia a justiça; ora numa disputa quando se recorre ao juiz é na
perspectiva de buscar o meio-termo (o justo) entre os litigantes. (Cf, Ibidem,
p.126)
A justiça é uma espécie de meio-termo, mas
não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim, porque ela relaciona-se com
uma quantia ou quantidade intermediária, ao passo que a injustiça se relaciona
com os extremos.
Tabela 02: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
|
Meio-Termo/Virtude
|
Vicio/excesso
|
Paixão
|
Situação
|
Perda
|
Justiça
|
Ganho
|
Egoísmo
|
Trocas
|
Na Ética à Nicômaco, Aristóteles dedica dois
livros (VIII e IX) ao tema da amizade. Como afirma Aristóteles, ‘‘porque ela é uma virtude, ou tende à virtude, sendo além disso, sumamente
necessária à vida.’’(Ibidem, p.179) Para melhor compreensão do tema,
devemos lembrar que a expressão grega possui maior significado, podendo
designar qualquer atracção mútua entre duas pessoas. A discussão sobre o
assunto constitui uma correcção válida a respeito de uma impressão que o
restante da Ética tende a produzir.
A maior parte do sistema moral de Aristóteles
está centrada sobre o próprio indivíduo; é próprio do homem, o homem tende e
deve tender. Na totalidade da ética, para além dos livros sobre a amizade,
muito pouco é dito no sentido de se sugerir que o homem pode e deve ter um
interesse caloroso e pessoal pelas outras pessoas; o altruísmo está completamente
ausente. Apresentam-se traços de um ponto de vista egoísta mesmo no respeito a
amizade, como poderíamos esperar, devido a amizade não constituir uma mera
benevolência, mas exigir reciprocidade.
Um homem deseja o bem do seu amigo por amor
ao amigo, e não como um meio para sua felicidade. As várias formas de amizade
mencionadas por Aristóteles constituem todas as ilustrações da natureza social
essencial do homem (amizade entre marido mulher…).
O homem é um ser político e está em sua
natureza viver em sociedade. E certamente é melhor passar os dias com amigos e
pessoas boas que com estranhos ou companheiros casuais. Desse modo, o homem
feliz necessita de amigos, que precisam ser virtuosos. A felicidade é uma
actividade, algo que nos pertence. Considera-se que o homem feliz deve ter uma
vida agradável.
Tabela 03: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
|
Meio-Termo/Virtude
|
Vicio/excesso
|
Paixão
|
Situação
|
Condescência
|
Amizade
|
Tédio
|
Prazer
|
Relação c/ os outros
|
A honra
é a disposição de carácter que a deseja como se deve. É essa disposição de
carácter que é meio-termo sem nome no tocante a honra. No confronto com a
ambição, parece ser desambição, e vice-versa.(Cf. Ibidem, p.111)
Tabela 04: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
|
Meio-Termo/Virtude
|
Vicio/excesso
|
Paixão
|
Situação
|
Desambição
|
Honra
|
Ambição
|
Riqueza
|
Receber e dar riquezas
|
A calma
e um meio-termo em relação à cólera[6]. Uma vez que a vida é
feita não só de actividade, mas também de repouso, e este inclui o lazer e o
entretenimento, parece haver aqui também uma espécie de intercâmbio que se
relaciona com o bom gosto.
A deficiência é a pacatez, e essas pessoas
não se encolerizam com coisas que deveriam excitar sua ira; também são chamados
de tolos e insensíveis. O excesso é o homem irascível, que encoleriza-se com
coisas indevidas e mais do que convém.
Enfim, entre o excesso e a falta deve se
preferir sempre o meio-termo (a calma) e este é determinado sempre pelos
ditames da recta razão.
Tabela 05: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
|
Meio-Termo/Virtude
|
Vicio/excesso
|
Paixão
|
Situação
|
Pacatez/pacificidade
|
Calma
|
Irascibilidade
|
Cólera/ ira
|
Vingança
|
CONCLUSÃO
Depois de leituras profundas sobre a ética aristotélica e
sobretudo a Ética a Nicômaco importa agora dizer de forma mais sucinta que a felicidade
é o fim para que tendem as acções da natureza humana. A felicidade não está em
passatempos e divertimentos, e sim nas actividades virtuosas.
A sabedoria prática está ligada ao carácter virtuoso e
este a sabedoria prática, visto que os princípios desta (sabedoria) são
conformes as virtudes morais e a rectidão moral é conforme a sabedoria prática.
Para a compreensão da ética de Aristóteles é de suma
importância sublinhar que os filósofos são os que amam e honram a razão acima
de todas as coisas, conduzindo-se com justiça e nobreza. Todas essas qualidades
fazem com que o filósofo seja o mais feliz dos homens. O ser humano tem que se
realizar virtuosamente naquilo que lhe é natural, a sua razão. Viver bem é
viver de acordo com o bom desenvolvimento do espírito racional. A razão deve
dirigir o quotidiano humano, para dominar as paixões e criar bons hábitos; e a
mediana (meio-termo) entre as atitudes também é importante, pois estabelece um
equilíbrio.
A felicidade perfeita é uma mera actividade contemplativa
pois nos tornamos bons pelo hábito e pelo ensino em decorrência de alguma causa
divina uma vez que isto é o que Deus faz, e que só se alcança se vida e virtude
forem pura harmonia, mas dada a dificuldade do homem ter um bom adestramento à
virtude desde a juventude, faz-se necessário que a educação e a actividade
humana à virtude sejam asseguradas por lei, até que se tornassem um hábito.
É de destacar igualmente a teleologia
aristotélica como um grande caminho a se seguir. Ter a felicidade como fim,
concebida como algo que seja fruto da actividade racional. Na verdade, seria
impossível haver um grupo de pessoas infelizes se seus membros fossem
virtuosos, e se de facto deixassem-se guiar por atitudes nobres, pela recta
razão.
Enfim, compreende-se que Aristóteles precisa
que somente na sociedade política o exercício da actividade especulativa
necessita ser praticado, sendo que, exclusivamente nela, encontrará o sumo bem,
a felicidade. Trata-se de consumar que a prática das virtudes humanas, que possibilitam
a felicidade, unicamente se pode dar na sociedade política, já que o homem é
por natureza, um animal político. Dessa maneira, em Aristóteles a teoria do
sumo bem, ou, felicidade, finalidade da ciência ética, torna-se,
necessariamente, a teoria da ciência política.
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da
versão inglesa de W. D. Ross, Editor Victor Civita, São Paulo, 1984
_______________. Ética a Nicômaco. Tradução de Edson Bini. Bauru, EDIPRO, São Paulo,
2002.
GONCALVES, L. Pereira, Ética e Sabedoria Prática: Um estudo sobre a Phrónêsis a partir da
Ethica Nicomachea. Editora fi, Porto Alegre, 2017
MORA. J. Ferrater, Dicionario de Filosofia. Editora Dom Queixote, Lisboa, 1978
PLATAO, A
República. Trad. Maria Helena da Rocha Perreira, 9a Edição, sl, 1949
[1] Aristóteles e grande número de escolásticos definem o Bem
como algo que é apetecível e, nesse sentido, parecem tender para o
subjectivismo; mas, na realidade, “aquilo a que todas as coisas apetecem.”(MORA,
1978)
[2] (…) é-se virtuoso quando se permanece entre o mais e o menos, na devida
proporção ou na moderação prudente. (MORA, 1978)
[3] A
sabedoria, o entendimento e a prudência são virtudes intelectuais;
[5] O
que não é demasiado, nem demasiadamente pouco (ARISTOTELES, 1984:72)