sábado, 25 de maio de 2019

Ética a Nicômaco, um debate sobre o objecto da finalidade das acções humanas em Aristóteles.


Índice




INTRODUÇÃO 

O presente trabalho intitulado ‘‘Ética a Nicômaco, um debate sobre o objecto da finalidade das acções humanas em Aristóteles’’ está inserido no quadro do plano analítico da cadeira de Ética I. Trata-se dum trabalho que o grupo procurou explorar com alguma profundidade as questões éticas avançadas por este clássico da filosofia e da ética. Procurou-se estratificar os dez livros que perfazem a obra Ética a Nicômaco em três capítulos, nomeadamente no primeiro, apresenta-se a vida e obra e faz-se a Contextualização, no segundo explora-se a ideia e o escopo da finalidade do agir humano, no terceiro destacam-se as virtudes, onde faz-se a diferenciação entre as duas virtudes (morais e intelectuais).
Com a presente pesquisa procurar-se-á evidenciar porque a felicidade é o fundamento da Ética a Nicômaco, sendo que para tal deve partir-se da ideia de que toda acção praticada pelo homem tem em vista um fim bom e desejável. Dentre todos os fins existentes, aquele que é almejado por si próprio tem primazia sobre os demais, em razão disso, Aristóteles identifica-o como sumo bem, ou felicidade.
Trata-se duma pesquisa que carrega consigo altos valores sociais, o que significa que é necessário revermos a nossa conduta, acreditando que não basta só ser bom, mas devemos agir de maneira justa e honrosa. Foram desenhados como objectivos desta exposição os seguintes: Geral: Compreender o pensamento ético aristotélico (a felicidade como o fim das accoes humanas); e específicos: Contextualizar o autor; Identificar o fim último das acções humanas; Explicar as virtudes morais e intelectuais;
Para a realização desta pesquisa tomou-se como base o método hermenêutico da obra de Aristotélica Ética a Nicômaco e de leituras paralelas que visaram a compreensão do escopo da pesquisa.  



Aristóteles foi filho de um casal de médicos, Nicômaco era médico da corte macedónica e Faistis, Aristóteles nasceu em 384 em Estagira e morreu em 322 a.C. Com a idade de dezoito anos, sedento de sabedoria, ruma para Atenas (onde estavam em voga duas escolas – a Academia Platónica e a escola sofística). Nesta cidade, Aristóteles faz-se discípulo de Platão, filósofo cuja fama já se havia espalhado por toda a Grécia. Ali permaneceu por cerca de vinte anos, tempo em que, por inspiração do mestre, se consolida a sua vocação de filósofo. Em 335 a.C. funda o Liceu, que foi assim chamado por estar estabelecida nas proximidades do templo dedicado a Apolo Lícios.
A ética aristotélica é permeada por uma visão de fim, thélos. Teleológico é uma palavra derivada do grego thélos que possui um sentido de fim, de um alvo a ser atingido pelo homem no decurso da vida. Suas principais obras éticas foram a ‘‘Magna Morália’’ (ou Grande Ética), Ethica Eudemia (ou Ética a Eudemos) e Ethica Nicomachea (ou Ética Nicômaco).
A filosofia na Grécia surge através de condições sócio-económico-culturais, como o evento original e originário, e isto representa um salto qualitativo, pois nunca antes se havia privilegiado a razão na tentativa de compreender o universo, a vida humana, a vida política, a vida virtuosa e os valores da felicidade. O povo grego incumbiu-se dessa tarefa, no Século VI ou V a.C. 
O período que procura-se trabalhar, é a fase das grandes sínteses do pensamento grego. Esse período, que coincide com o século IV a.C., tem dois grandes autores: Platão e Aristóteles.
É a obra ‘‘Ética Nicômaco’’ de Aristóteles que pretendemos analisar neste trabalho. Uma obra composta por 10 livros, nos quais encontra-se todo o tratado acerca da Ética a Nicômaco. É nesta obra onde Aristóteles expõe todo o pensamento herdado do seu pai acerca das acções humanas, e não só, mas era igualmente sua intenção fazer com que as pessoas reflectissem sobre as suas acções e colocassem a razão acima das paixões, buscando a felicidade individual e colectiva, pois o ser humano é um ser social e suas práticas devem visar o bem comum.
 Na obra, percebe-se que Aristóteles propõe uma Ética das Virtudes, onde os bons hábitos, as boas acções, seriam o fio condutor de toda acção ética.
Entre as obras do Estagirita, a Ética Nicômaco foi tradicionalmente a mais comentada e indicada como a que apresenta uma visão mais ampla da Ética aristotélica. ‘‘O que Aristóteles discutiu nessa obra e de que modo tratou as questões antropológicas já apresentadas por seus antecessores (Sócrates e Platão) nos permite entender o segundo grande sistema ético da cultura Ocidental.’’ (cf. GONCALVES, 2017:51)


CAPITULO II: O SUMO BEM COMO OBJECTO DO AGIR HUMANO

Neste primeiro capítulo intenciona-se esclarecer a ideia do fim para que tendem todas acções humanas. Aqui compreender-se-á a ideia aristotélica de felicidade e sumo bem enquanto significados do fim último das acções humanas.
Na sua obra sobre a Ética a Nicômaco, e sobretudo no primeiro livro, Aristóteles começa admitindo que toda arte, assim como toda acção têm em mira um bem[1] qualquer; e por isso foi dito com muito acerto que, o bem é aquilo a que muitas coisas tendem. Mas se para acções que realizamos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo é desejado no interesse desse fim, diz-nos Aristóteles (1984) que ‘‘evidentemente que tal fim será o bem, ou antes, o Sumo Bem.’’ (ARISTOTELES, 1984:49)
No mesmo diapasão enaltecedor, Platão (1949) afirma que ‘‘(…) No limite do mundo cognoscível é que se avista a custo a ideia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo (…) (PLATÃO, 1949:319)
Naturalmente, o seu estudo e o seu conhecimento constituirão a ciência mestra (que é a Política) e seu estudo caberá à Ética. É objecto da política porque as acções belas e justas admitem grande variedade de opiniões, podendo até ser consideradas como existindo por convenção, e não por natureza. (cf. ARISTÓTELES, 1984:50)
Compreende ainda assim a politica porque o homem como um ser social vive na polis e, é nela onde as acções virtuosas com vista a tranquilidade e bem-estar devem se fazer sentir. Para que no extremo, este homem atinja a felicidade e se realize plenamente.
A sociedade existe com vista a algum fim (objectivo) definido, que consiste, segundo Aristóteles, na busca do bem supremo do homem como cidadão que participa activamente na administração, na jurisdição e na legislação de uma nação. Somente agindo dessa forma ele atinge seu bem supremo.
O bem completo, ou sumo bem, buscado por si mesmo e que não tem em vista outra coisa a não ser ele próprio, denominamos de felicidade. Analogamente, (…) a felicidade, acima de tudo mais, parece ser absolutamente completa nesse sentido uma vez que sempre optamos por ela mesma e jamais como um meio para algo mais (...) (Aristóteles, 2002:49).
A honra, a compreensão, o prazer e a virtude são buscados como meios que asseguram a felicidade. Ela recebe vários atributos, um deles é o de auto-suficiência, isto é, que o bem final e completo precisa ser algo suficiente em si mesmo. Aristóteles não compreende a auto-suficiência como individualismo, pois para ele o homem é um animal político. Paradoxalmente, entendemos por algo auto-suficiente, aquilo que por si só torna a vida desejável e que de nada carece. Assim sendo, consideramos segundo o Estagirita a “felicidade a mais desejável de todas as boas coisas” (Id.).
Portanto, reconhecida como final, completa e auto-suficiente, é a finalidade visada por todas as acções. As coisas boas foram classificadas de três modos. São elas. bens externos, bens do corpo e bens da alma. Porém, os bens no sentido pleno e de maior grau, são os bens da alma. Esses são vistos em nossas acções quotidianas. Desse modo, a finalidade é incluída não entre os bens externos, mas sim nos bens da alma, por serem estes que tornam os homens verdadeiros virtuosos.
Para a compreensão da felicidade precisamos antes lançar ao debate a pergunta que não se quer calar. Se todo o conhecimento e todo trabalho visam a algum bem, qual será o mais alto de todos os bens? O fim certamente será a felicidade, mas o vulgo não a concebe da mesma forma que o sábio. Para o vulgo, a felicidade é uma coisa óbvia como o prazer, a riqueza ou as honras (finalidade da vida politica); aqueles que identificam a felicidade com o prazer vivem a vida dos gozos; a honra é superficial e depende mais daquele que dá do que daquele que recebe; a riqueza não é o sumo bem, é algo de útil e nada mais.
De acordo com o Estagirita essas duas concepções de felicidade (do vulgo e do sábio) ‘‘diferem, quanto ao que seja a felicidade, e o vulgo não a do mesmo modo que os sábios. Os primeiros pensam que seja alguma coisa simples e óbvia, como o prazer a riqueza e as honras (…).’’ (Ibidem.p.51-52)
Deste modo, devemos procurar o bem e questionarmo-nos sobre o que ele é. Ora, se existe uma finalidade para tudo o que fazemos, a finalidade será o bem. A melhor função do homem é a vida activa que tem um princípio racional. Consideramos bens aquelas actividades da alma, a felicidade identifica-se com a virtude[2], pois à virtude pertence a actividade virtuosa. No entanto, o Sumo Bem está colocado no acto, porque pode existir um estado de ânimo sem produzir bom resultado.
Sendo a felicidade a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo e tendo-na identificado como uma actividade da alma em consonância com a virtude, não sendo propriamente a felicidade a riqueza, a honra ou o prazer, etc; a felicidade necessita igualmente desses bens exteriores, porque é impossível realizar actos nobres sem os meios.
O homem feliz parece necessitar também dessa espécie de prosperidade, e por essa razão, alguns identificam a felicidade com a boa fortuna, embora outros a identifiquem com a virtude.
Por isso, pergunta-se se a felicidade é adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou adestramento; se é conferida pela providência divina ou se é produto do acaso. Se a felicidade é a melhor dentre as coisas humanas, então não se pode confiar ao acaso o que há de melhor e mais nobre, seria um arranjo muito imperfeito. A felicidade é uma actividade virtuosa da alma, os demais bens são a condição dela, ou são úteis como instrumentos para sua realização. A felicidade é ‘‘boa vida e boa acção.’’
A felicidade, enquanto coisa nobre e boa da vida, seria alcançada pela recta acção, assim, seria uma actividade virtuosa da alma e, por este motivo, é contada entre as coisas mais divinas, mas para alcançá-la, é necessária a constância nas virtudes.


CAPÍTULO III: VIRTUDES ARISTOTÉLICAS

Neste capítulo tratar-se das duas concepções da virtude. O Estagirita divide a virtude em duas partes designadamente: Virtudes intelectuais e virtudes morais.
As virtudes aristotélicas, dividem em intelectuais[3] e morais[4]. Duma forma mais específica, a intelectual é a que gera-se e cresce através do ensino – precisa de experiência e tempo; e a moral é adquirida pelo hábito de onde terá se formado seu nome (na sociedade). Assim, nenhuma das virtudes surge em nós por natureza, como se pode fundamentar no trecho abaixo:
Não é pois por natureza ou contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós (…) por outro lado, de todas as coisas que nos vêm pela natureza, primeiro adquirimos a potência e mais tarde exteriorizamos os actos. Isso é evidente no caso dos sentidos pois não foi por ver e ouvir frequentemente que adquirimos a visão e audição, mas, pelo contrario nós as possuímos antes de usa-las, e não entramos na posse delas pelo uso. (ARISTOTELES, 1984:67)
Com efeito, dá-se o exactamente oposto com as virtudes, adquirimo-las com o exercício como igualmente acontece com as artes. Assevera-nos o Estagirita que “(…) os homens tornam-se arquitectos construindo e tocadores de lira tangendo seus instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando actos justos (…). (Idem)
Este facto, verifica-se igualmente com todos legisladores nos estados, onde eles tornam bons os cidadãos pelos hábitos que lhes incutem. E, quando isso não aconteça, o legislador falhou na sua missão. É nisso que reside a existência de boas e más constituições. Também pelas mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda a virtude, assim, como a arte de tocar o instrumento surgem os bons e os maus músicos, e nos arquitectos, construindo bem tornam-se bons e mal maus.
Com as virtudes dá-se o mesmo. É pelos actos que praticamos, nas relações com os homens, que nos tornamos justos ou injustos. Por isso, faz-se necessário estar atento para as qualidades de nossos actos pois, tudo depende deles, desde a nossa juventude existe a necessidade de habituarmo-nos a praticar actos virtuosos (moralmente excelentes), pois tudo depende disso.
No segundo capítulo do livro 2 importa-nos analisar a virtude não sob ponto de vista teórico (Saber o que é a virtude), mas queremo-la sob ponto de vista prático. Queremos estuda-la, para tornar-nos bons por que caso contrário a presente investigação seria inútil. Assim, é importante perceber que a sabedoria prática é inferior à sabedoria teórica. O valor da primeira, em partes, está na ajuda que presta a produção da última. Mas consideremos que em nossa natureza o excesso e a falta de uma delas sejam destrutivos. Devemos deste modo admitir como afirma o autor que,
Tanto a deficiência como o excesso de exercício destroem a força; e da mesma forma, o alimento e a bebida que ultrapassam determinados limites, tanto para mais como para menos, destroem a saúde, ao passo que sendo tomados nas devidas proporções, a aumentam, a produzem e a preservam. (Ibidem, p.68)
Naturalmente, que nas virtudes, o excesso ou a falta são destrutivos, porque a virtude é mais exacta que qualquer arte, pois possui como atributo o meio-termo[5] – mas em relação à virtude moral, é ela que diz respeito a paixões e acções, nas quais existe excesso, carência e meio - termo. O excesso é uma forma de erro, mas, o meio-termo é uma forma digna de louvor. Logo, a virtude é uma espécie de mediana. Pois de acordo com o autor, ‘‘Os homens são bons de um modo e, maus de muitos modos’’ (Ibidem.p.73)
Cabe nos desde já salientar que a mediana é meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta. Mas, nem toda acção e nem toda paixão admitem meio-termo; há algumas acções ou paixões que implicam em maldade, como a inveja. Elas são más em si mesmas, nelas não há rectidão, mas erro. É absurdo procurar meio-termo em actos injustos; do excesso ou da falta, não há meio-termo.
Como nos referimos nas abordagens iniciais deste tema, nossa tarefa de estudo das virtudes tem como resultado a acção, e não o conhecimento da virtude, é necessário frisar a prática dos actos, pois, é pela prática dos actos justos que se gera o homem justo, é pela prática de actos temperantes que se gera o homem temperante; é através da acção que existe a possibilidade de alguém tornar-se bom. Assim, Aristóteles refere que
(…) a maioria dos homens não procede assim. Refugiam-se na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira. Nisso se portam como enfermos que escutassem atentamente seus médicos, mas não fizessem nada do que estes lhe prescrevem. (Ibidem, p.71)
Enfim, em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, e é naturalmente o repositório da virtude moral e efectivamente, essa é a maneira mais fácil de atingir o que é certo. Assim, ser feliz é usar a razão com propriedade e fazer de tal modo que isso se torne uma virtude.
Devemos agora examinar a natureza dos actos, ou seja, como devemos praticá-los, pois eles determinam a natureza das disposições morais (virtudes); Virtude esta que é uma disposição de carácter relacionada com a escolha de acções e paixões, e consistente numa mediania.

2.     Actos morais e sua estrutura

A análise que se pretende fazer neste capítulo relaciona-se com a distinção que Aristóteles faz dentre actos voluntários e involuntários. Que diferença existe entre ambos? Um assunto, que se dispõe à discussão neste capítulo.
No prosseguimento da Ética a Nicômaco, Aristóteles analisa, a estrutura das acções morais, onde distingue actos voluntários de involuntários. O autor descreve que a virtude relaciona-se com paixões e acções, mas, um sentimento ou uma acção pode ser voluntária ou involuntária. Assim, considera actos involuntários a aqueles que ocorrem sob compulsão e ignorância, é compulsório ou forçado aquilo em que o princípio motor está fora de nós e para tal em nada contribui a pessoa que age ou sente a paixão. Há actos praticados para evitar males maiores, diz ele por exemplo que,
Algo semelhante acontece quando se lançam cargas pesadas ao mar durante uma tempestade; porque em teoria ninguém voluntariamente joga fora bens valiosos, mas quando assim o exigem a segurança própria e da tripulação, qualquer homem sensato o fará. (Ibidem, p. 81)
É discutível que esses actos sejam voluntários ou involuntários. Na verdade, trata-se de acções mistas que se assemelham às voluntárias por serem escolhidas no momento em que se fazem e pelo facto de serem acções relativas às circunstâncias e o princípio motor estar no agente, isto é, por estar na pessoa ‘‘o fazer’’ ou ‘‘não fazer’’. Acções de tal espécie são voluntárias. O voluntário é aquilo cujo motor se encontra no próprio agente que tenha conhecimento das circunstâncias particulares do acto.
As acções são forçadas (involuntárias) quando contrariamente, as causas encontram-se externas ao agente e ele em nada contribuiu. (…) é o compulsório, quer dizer, aquilo cujo o principio motor se encontra do lado de fora. Aristóteles ladeia que ‘‘Tudo o que se faz por ignorância é não-voluntário, e só o que produz dor e arrependimento [no agente] é involuntário.’’ (Ibidem, p.82)
Naturalmente, o homem que fez alguma coisa por ignorância e não se aflige com o seu acto, não agiu voluntariamente visto que não sabia o que fazia; mas não agiu involuntariamente visto que isso não lhe causa dor alguma. Diz ele portanto que ‘‘ (…) das pessoas que agem por ignorância, as que se arrependem são considerados agentes involuntários, e as que não se arrependem podem ser consideradas de não-voluntários.’’ (Id.)
Assim, os termos voluntário e involuntário devem ser usados como referência ao momento da escolha da acção. A escolha é, portanto, um desejo deliberado. Mas como o fim é aquilo que desejamos e o meio aquilo que deliberamos e escolhemos, as acções devem concordar com a escolha e serem voluntárias. O exercício da virtude moral diz respeito aos meios, logo, a virtude está em nosso poder de escolha. Em outras palavras, podemos escolher entre a virtude e o vício, porque se depende de nós o agir, também depende o não agir. Depende de nós praticarmos actos nobres ou cruéis, ou então, depende de nós sermos virtuosos ou viciosos.
Deste modo, fica esclarecido que as virtudes são voluntárias, porque somos senhores de nossos actos se conhecemos as circunstâncias, e estava em nosso poder o agir ou o não agir de tal maneira. Os vícios também são voluntários, porque o mesmo se aplica a eles.
Nos livros IV e V, Aristóteles faz um percurso analítico de algumas virtudes morais e os respectivos meios-termos. Na mesma sequência, procurar-se-á trazer neste capítulo alguns exemplos de meio-termos/virtudes morais.
De acordo com Aristóteles a Liberalidade é o meio-termo em relação ao dar e receber riquezas, mas sobretudo ao dar. O homem liberal é louvado no tocante a dar e receber riquezas, mas é especialmente louvado aquele que sabe dar suas riquezas. O avarento quer o dinheiro mais do que deve e o pródigo esbanja a riqueza com seus prazeres. Quem melhor usa a riqueza é aquele que possui a virtude a ela associada – o homem liberal. (Cf. Ibidem, p.101)
Diz-nos Aristóteles que o homem liberal nunca dá com dor, pois esse preferiria a riqueza a acção nobre, mais do que isso, afirma o autor que ‘‘Tampouco o homem liberal receberá de fontes que não deve, pois isso não é próprio de quem não dá valor a riqueza.’’ (Ibidem, 102)
[Naturalmente que encontramos na maior parte dos países africanos e de forma particular Moçambique o exemplo de algumas figuras de destaque no panorama politico com falta de liberalidade, a medir por aquilo que é o assunto mais falado do momento das dívidas inconstitucionais].
Enquanto o homem liberal dá as quantias que convém, às pessoas que convém e na ocasião que convém, com todas as demais condições que acompanham a recta acção de dar, com prazer e sem dor, o avarento é deficiente no dar e excede no receber. Um exemplo claro dos nossos ‘‘aposentos’’, se olharmos para o nosso país no contexto de uma parte de África.
Exemplo:
Tabela 01: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
Meio-Termo
Vicio/excesso
Paixão
Situação
Dar
Liberalidade
Receber
Riqueza
Bens/dinheiro

A justiça é tomada como aquela disposição de carácter que torna as pessoas propensas de fazer o justo, que as faz viver justamente e desejar o que é justo e do mesmo modo a injustiça é aquela disposição de carácter que torna as pessoas propensas a fazer o injusto e a desejar sempre o injusto. Desta forma o homem injusto é um sem lei e o homem que respeita a lei é justo.
Com efeito, todos actos legítimos são justos em certo sentido. Dessa forma, a justiça é uma virtude completa ou é muitas vezes considerada a maior das virtudes. É uma virtude completa por ser o exercício actual da virtude completa, isto é, aquele que a possui pode exercer sua virtude sobre si e sobre o próximo. (Cf. Ibidem, p.122) Assim, a justiça neste sentido não é uma parte da virtude, mas sim a virtude inteira.
Sendo os actos justos e injustos, tal como os descrevemos ou definimos, um homem age de maneira justa ou injusta sempre que pratica tais actos voluntariamente. Quando o contrário acontece (involuntariamente), tais actos não são justos nem injustos. Assim este carácter do acto (voluntario ou involuntário) determina se a pessoa é justa ou injusta.
O justo é intermediário entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda nas transacções que não são voluntárias, e consiste em ter uma quantidade igual antes e depois da transacção. O juiz nos estados intermedeia a justiça; ora numa disputa quando se recorre ao juiz é na perspectiva de buscar o meio-termo (o justo) entre os litigantes. (Cf, Ibidem, p.126)
A justiça é uma espécie de meio-termo, mas não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim, porque ela relaciona-se com uma quantia ou quantidade intermediária, ao passo que a injustiça se relaciona com os extremos.
Tabela 02: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
Meio-Termo/Virtude
Vicio/excesso
Paixão
Situação
Perda
Justiça
Ganho
Egoísmo
Trocas



Na Ética à Nicômaco, Aristóteles dedica dois livros (VIII e IX) ao tema da amizade. Como afirma Aristóteles, ‘‘porque ela é uma virtude, ou tende à virtude, sendo além disso, sumamente necessária à vida.’’(Ibidem, p.179) Para melhor compreensão do tema, devemos lembrar que a expressão grega possui maior significado, podendo designar qualquer atracção mútua entre duas pessoas. A discussão sobre o assunto constitui uma correcção válida a respeito de uma impressão que o restante da Ética tende a produzir.
A maior parte do sistema moral de Aristóteles está centrada sobre o próprio indivíduo; é próprio do homem, o homem tende e deve tender. Na totalidade da ética, para além dos livros sobre a amizade, muito pouco é dito no sentido de se sugerir que o homem pode e deve ter um interesse caloroso e pessoal pelas outras pessoas; o altruísmo está completamente ausente. Apresentam-se traços de um ponto de vista egoísta mesmo no respeito a amizade, como poderíamos esperar, devido a amizade não constituir uma mera benevolência, mas exigir reciprocidade.
Um homem deseja o bem do seu amigo por amor ao amigo, e não como um meio para sua felicidade. As várias formas de amizade mencionadas por Aristóteles constituem todas as ilustrações da natureza social essencial do homem (amizade entre marido mulher…).
O homem é um ser político e está em sua natureza viver em sociedade. E certamente é melhor passar os dias com amigos e pessoas boas que com estranhos ou companheiros casuais. Desse modo, o homem feliz necessita de amigos, que precisam ser virtuosos. A felicidade é uma actividade, algo que nos pertence. Considera-se que o homem feliz deve ter uma vida agradável.
Tabela 03: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
Meio-Termo/Virtude
Vicio/excesso
Paixão
Situação
Condescência
Amizade
Tédio
Prazer
Relação c/ os outros




A honra é a disposição de carácter que a deseja como se deve. É essa disposição de carácter que é meio-termo sem nome no tocante a honra. No confronto com a ambição, parece ser desambição, e vice-versa.(Cf. Ibidem, p.111)
Tabela 04: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
Meio-Termo/Virtude
Vicio/excesso
Paixão
Situação
Desambição
Honra
Ambição
Riqueza
Receber e dar riquezas

A calma e um meio-termo em relação à cólera[6]. Uma vez que a vida é feita não só de actividade, mas também de repouso, e este inclui o lazer e o entretenimento, parece haver aqui também uma espécie de intercâmbio que se relaciona com o bom gosto.
A deficiência é a pacatez, e essas pessoas não se encolerizam com coisas que deveriam excitar sua ira; também são chamados de tolos e insensíveis. O excesso é o homem irascível, que encoleriza-se com coisas indevidas e mais do que convém.
Enfim, entre o excesso e a falta deve se preferir sempre o meio-termo (a calma) e este é determinado sempre pelos ditames da recta razão.
Tabela 05: Exemplo de meio-termo
Vicio/falta
Meio-Termo/Virtude
Vicio/excesso
Paixão
Situação
Pacatez/pacificidade
Calma
Irascibilidade
Cólera/ ira
Vingança




CONCLUSÃO

Depois de leituras profundas sobre a ética aristotélica e sobretudo a Ética a Nicômaco importa agora dizer de forma mais sucinta que a felicidade é o fim para que tendem as acções da natureza humana. A felicidade não está em passatempos e divertimentos, e sim nas actividades virtuosas.
A sabedoria prática está ligada ao carácter virtuoso e este a sabedoria prática, visto que os princípios desta (sabedoria) são conformes as virtudes morais e a rectidão moral é conforme a sabedoria prática.
Para a compreensão da ética de Aristóteles é de suma importância sublinhar que os filósofos são os que amam e honram a razão acima de todas as coisas, conduzindo-se com justiça e nobreza. Todas essas qualidades fazem com que o filósofo seja o mais feliz dos homens. O ser humano tem que se realizar virtuosamente naquilo que lhe é natural, a sua razão. Viver bem é viver de acordo com o bom desenvolvimento do espírito racional. A razão deve dirigir o quotidiano humano, para dominar as paixões e criar bons hábitos; e a mediana (meio-termo) entre as atitudes também é importante, pois estabelece um equilíbrio.
A felicidade perfeita é uma mera actividade contemplativa pois nos tornamos bons pelo hábito e pelo ensino em decorrência de alguma causa divina uma vez que isto é o que Deus faz, e que só se alcança se vida e virtude forem pura harmonia, mas dada a dificuldade do homem ter um bom adestramento à virtude desde a juventude, faz-se necessário que a educação e a actividade humana à virtude sejam asseguradas por lei, até que se tornassem um hábito.
É de destacar igualmente a teleologia aristotélica como um grande caminho a se seguir. Ter a felicidade como fim, concebida como algo que seja fruto da actividade racional. Na verdade, seria impossível haver um grupo de pessoas infelizes se seus membros fossem virtuosos, e se de facto deixassem-se guiar por atitudes nobres, pela recta razão.   
Enfim, compreende-se que Aristóteles precisa que somente na sociedade política o exercício da actividade especulativa necessita ser praticado, sendo que, exclusivamente nela, encontrará o sumo bem, a felicidade. Trata-se de consumar que a prática das virtudes humanas, que possibilitam a felicidade, unicamente se pode dar na sociedade política, já que o homem é por natureza, um animal político. Dessa maneira, em Aristóteles a teoria do sumo bem, ou, felicidade, finalidade da ciência ética, torna-se, necessariamente, a teoria da ciência política.



BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross, Editor Victor Civita, São Paulo, 1984
_______________. Ética a Nicômaco. Tradução de Edson Bini. Bauru, EDIPRO, São Paulo, 2002.
GONCALVES, L. Pereira, Ética e Sabedoria Prática: Um estudo sobre a Phrónêsis a partir da Ethica Nicomachea. Editora fi, Porto Alegre, 2017
MORA. J. Ferrater, Dicionario de Filosofia. Editora Dom Queixote, Lisboa, 1978
PLATAO, A República. Trad. Maria Helena da Rocha Perreira, 9a Edição, sl, 1949



[1] Aristóteles e grande número de escolásticos definem o Bem como algo que é apetecível e, nesse sentido, parecem tender para o subjectivismo; mas, na realidade, “aquilo a que todas as coisas apetecem.”(MORA, 1978)
[2] (…) é-se virtuoso quando se permanece entre o mais e o menos, na devida proporção ou na moderação prudente. (MORA, 1978)
[3] A sabedoria, o entendimento e a prudência são virtudes intelectuais;
[4] A generosidade e a temperança são virtudes morais;
[5] O que não é demasiado, nem demasiadamente pouco (ARISTOTELES, 1984:72)
[6] Irritação forte que nos incita contra o que nos ofende ou contraria